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Norberto Bobbio

Norberto Bobbio

Vida, obra e legado do pensador italiano.

Norberto Bobbio nasceu em Turim, na região do Piemonte, em 18 de outubro de 1909, numa família de classe média alta. Filho do médico-cirurgião Luigi Bobbio, cresceu em uma casa com criadas e motorista, o que lhe garantiu tranquilidade e tempo de sobra para desenvolver uma curiosidade intelectual precoce. Desde cedo, inclinava-se à leitura — lia, traduzia e comentava obras de George Bernard Shaw, Balzac, Stendhal, Shelley e Croce. Era também amigo de Cesare Pavese, com quem compartilhava tardes de conversas literárias e o hábito de aprender inglês através da leitura dos clássicos.

Adolescente, Bobbio descobriu a música de Bach e a ópera de Verdi e, ao mesmo tempo, escrevia versos carregados de melancolia. Uma doença infantil deixou-lhe a sensação persistente de “cansaço de viver”, algo que marcaria sua vida intelectual sob a forma de um taedium vitae, um olhar sempre desconfiado diante das certezas fáceis. Estudou no colégio clássico Massimo D’Azeglio, em Turim, ambiente fértil onde conviveu com futuros nomes da cultura republicana italiana, como Vittorio Foa e Leone Ginzburg.

Nos anos 1930, frequentou a Universidade de Turim, onde foi aluno de Gioele Solari e Luigi Einaudi. Formou-se em Direito em 1931, com uma tese sobre Filosofia e Dogmática do Direito, e em Filosofia em 1933, com uma pesquisa dedicada à fenomenologia de Husserl. Passou uma temporada em Marburgo, na Alemanha, onde tomou contato com as teorias de Karl Jaspers e o existencialismo em gestação. De volta à Itália, conquistou a habilitação docente e começou sua carreira de professor universitário.

Nem tudo, contudo, seguiu a normalidade acadêmica. Em 1935, Bobbio foi preso em Turim por suas ligações com o grupo antifascista Giustizia e Libertà. Poucos meses depois, redigiu uma carta a Benito Mussolini solicitando reabilitação. O pedido foi aceito, e ele passou a lecionar Filosofia do Direito em Camerino, Siena e Pádua — não sem o peso do compromisso público com o regime, que, em plena guerra, exigia dos docentes juramentos de lealdade. Em 1939, Bobbio jurou fidelidade ao fascismo para manter sua cátedra. Essa ambiguidade, que lhe rendeu críticas posteriores, era também o retrato de um tempo em que a sobrevivência intelectual passava por cálculos difíceis.

Entre a cátedra e a política.

A partir de 1942, Bobbio participou do clandestino Partito d’Azione, grupo de inspiração socialista-liberal que se opunha ao fascismo. Foi novamente preso em 1943 por atividades clandestinas. Ao fim da guerra, colaborou com jornais e círculos culturais que buscavam reconciliar a tradição humanista com a ciência moderna. Em 1945, publicou um estudo sobre Carlo Cattaneo, defendendo a importância de múltiplos centros de participação democrática — uma ideia que o acompanharia até o fim da vida.

De volta à Universidade de Turim em 1948, assumiu a cadeira de Filosofia do Direito e consolidou-se como professor central na formação de juristas e cientistas políticos. Ao longo das décadas, publicou cursos e ensaios que se tornariam referência: Teoria da Ciência Jurídica, Teoria das Normas Jurídicas, Teoria do Sistema Jurídico e Positivismo Jurídico. Sua escrita — clara, racional, mas atravessada por dilemas éticos — lhe rendeu o título de “filósofo do diálogo”.

Nos anos 1950 e 1960, Bobbio intensificou o debate com intelectuais italianos. Em Política e Cultura (1955), enfrentou a tensão entre o compromisso dos intelectuais e a autonomia da criação artística, sem nunca ceder a soluções simplistas. Tornou-se também um dos introdutores da filosofia analítica no direito italiano, em diálogo com Kelsen e a tradição anglo-saxã. O rigor conceitual, no entanto, nunca o afastou da realidade política: foi militante em movimentos contra leis eleitorais autoritárias, participou do Partido Socialista Unificado e viveu embates com estudantes em 1968 — incluindo o próprio filho Luigi, militante da Lotta Continua.

Em 1972, Bobbio transferiu-se para a Faculdade de Ciências Políticas, da qual seria reitor. Nessa etapa, ampliou sua reflexão para além do direito, passando a ocupar-se das questões democráticas e dos limites do poder. Ganhou prestígio como ensaísta e se tornou presença constante nos jornais italianos. Era o intelectual que escrevia de maneira compreensível sem perder a densidade, o crítico que apontava as falhas da democracia sem a entregar ao cinismo.

O filósofo do diálogo.

Em 1984, foi nomeado senador vitalício pelo presidente Sandro Pertini, reconhecimento a uma trajetória que unia filosofia, direito e política. No Senado, Bobbio manteve sua postura crítica: apoiou causas social-democratas, mas também denunciou a corrupção e a degeneração da democracia italiana. Com a ascensão de Silvio Berlusconi, tornou-se uma das vozes mais duras contra o populismo midiático e a fragilidade das instituições.

Sua obra é extensa: escreveu mais de cinco mil textos, incluindo livros que marcaram o debate público. A Era dos Direitos (1990) sintetizou sua defesa de uma democracia sustentada por garantias fundamentais e respeito ao pluralismo. Direita e Esquerda (1994), publicado em meio ao descrédito dos partidos, causou polêmica ao reafirmar a distinção entre os dois campos políticos. Para Bobbio, a direita se orientava pela aceitação da desigualdade; a esquerda, pelo ideal da igualdade. O livro vendeu mais de quinhentos mil exemplares em poucos meses, tendo sido traduzido em vinte idiomas.

Bobbio não era um profeta, mas um mediador — nas suas próprias palavras, um homem de dúvida e de diálogo. Preferia a complexidade ao slogan, a pergunta incômoda à resposta fácil. Em cartas e entrevistas, descreveu-se como um filósofo “da indecisão”: alguém que se recusava a encerrar debates. Foi essa recusa, paradoxalmente, que lhe garantiu prestígio. Tornou-se referência não somente para juristas, mas para várias gerações de intelectuais que viram em sua obra um antídoto contra dogmatismos de esquerda e de direita.

Recebeu prêmios internacionais, títulos honorários em universidades da Europa e da América Latina e ingressou em academias de prestígio como a Accademia dei Lincei e a British Academy. Mesmo no fim da vida, manteve-se atento às questões políticas contemporâneas: escreveu sobre a Guerra do Golfo, sobre os limites da União Europeia e sobre os riscos da globalização sem regulação democrática.

Norberto Bobbio faleceu em Turim, em 9 de janeiro de 2004, aos 94 anos, após ter recebido, em sua cidade natal, o “Selo Cívico” pelo empenho político e contribuição cultural. Foi sepultado em Rivalta Bormida, numa cerimônia discreta, como desejava. Deixou três filhos e um legado que ainda hoje alimenta debates sobre democracia, direitos humanos e o papel do intelectual na esfera pública.

No conjunto, sua trajetória é a de alguém que se recusou a separar a vida acadêmica da vida política. Bobbio acreditava que a filosofia do direito só fazia sentido quando confrontada com a injustiça real, e que a teoria democrática só valia se testada contra as tentações autoritárias. É nesse cruzamento entre rigor analítico e compromisso cívico que sua obra encontra atualidade. Como ele próprio sugeriu em um de seus primeiros trabalhos, reunidos no volume Escritos sobre Fenomenologia e Filosofia Existencial, o pensamento só se realiza quando não abdica das perguntas difíceis — aquelas que, em última instância, dizem respeito à condição humana e à possibilidade de viver juntos em sociedade.

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