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Lincoln Gakiya

Lincoln Gakiya

Coragem entre laudos, processos e ameaças

Por mais de três décadas, Lincoln Gakiya aprendeu a conviver com uma contradição diária: ser, ao mesmo tempo, uma figura pública e um cidadão privado. Público porque sua atuação como Promotor de Justiça o tornou um dos nomes centrais no enfrentamento ao crime organizado no Brasil. Privado porque, para permanecer vivo, teve de renunciar a quase tudo o que faz a vida circular — bares, ruas, amigos, anonimato.

A história de Gakiya começa num cenário bem menos tenso. Nascido no interior de São Paulo, ele trilhou um caminho jurídico aparentemente convencional: formação em Direito, anos iniciais no Ministério Público, uma carreira que prometia a costumeira alternância entre denúncias, audiências e investigações. O que ele não imaginava é que seu nome acabaria inscrito numa das crônicas mais longas e arriscadas da segurança pública paulista.

Seu ingresso no Ministério Público se deu ainda nos anos 1990. Com uma combinação de rigor técnico e apetite por investigações complexas, logo se destacou entre os colegas. A especialização em Direito Penal foi uma escolha quase natural — resultado de uma curiosidade permanente sobre dinâmicas de criminalidade e sobre a arquitetura jurídica capaz de contê-las. Ao longo dos anos, acumulou formação complementar e hoje é mestrando em Ciências Militares e Segurança Pública, pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), no Rio de Janeiro. Também é professor e conselheiro da Escola de Segurança Multidimensional da USP, uma função que somou aos seus dias já abarrotados de relatórios, reuniões e depoimentos.

No início dos anos 2000, quando o PCC passou a se expandir de maneira mais coordenada no estado, Gakiya já integrava o Gaeco de Presidente Prudente, núcleo do Ministério Público especializado em crime organizado. Ali, a rotina de investigações exaustivas logo chamou a atenção da cúpula da facção, e a vida do promotor foi empurrada para um regime de contenção permanente. A primeira ordem de execução surgiu em 2005. Outras vieram depois — cinco ao todo, descobertas em diferentes operações policiais. Algumas cartas com ordens diretas foram apreendidas. Outras mensagens apareceram em celulares, em bilhetes cifrados, em instruções de retaliação ligadas a transferências de líderes da facção para presídios federais.

Uma vida sob vigilância

A partir daí, sua rotina tornou-se um exercício diário de cálculo. Locais públicos deixaram de ser frequentados. Acompanhado por equipes da Polícia Militar, ele passou a viver com a consciência de que qualquer deslocamento poderia ser observado por quem estava disposto a esperá-lo por semanas, meses, anos. Em diversas entrevistas, mencionou o peso de não poder circular sozinho, de ver a vida social minguar e de ser lembrado, a cada saída de casa, de que sua existência depende de uma engrenagem alheia à sua vontade.

A decisão que mais tensionou sua segurança ocorreu em 2018, quando solicitou a transferência de Marcos Willians Herbas Camacho — o Marcola — para um presídio federal. A medida tinha o objetivo claro de esvaziar o comando da organização criminosa no sistema prisional paulista. Funcionou. Mas, como consequência, ampliou o risco pessoal do promotor, que viu seus deslocamentos tornarem-se ainda mais monitorados pelas equipes de segurança.

Nos anos seguintes, novas tramas foram identificadas. Em algumas delas, havia mapeamento de rotina, coleta de informações sobre familiares e divisão milimétrica de tarefas. Em outras, estava prevista a etapa de reconhecimento dos locais por onde o promotor circulava. O denominador comum era a disciplina: grupos compartimentados, sem que cada membro soubesse o plano inteiro, dificultando a ação das forças de segurança.

Esse cenário levou Gakiya a cogitar, publicamente, a possibilidade de solicitar asilo político após a aposentadoria. Não como bravata, mas como constatação: sem o aparato de proteção oferecido pelo Estado enquanto está no exercício da função, teme não haver garantia alguma de que poderá viver em paz, ainda que longe das investigações. A morte de agentes que também atuaram contra o crime organizado reforça, para ele, a percepção de que o Brasil ainda não consolidou mecanismos suficientes para proteger servidores cuja atuação fere diretamente interesses bilionários de organizações criminosas.

O promotor e o país que o cerca

O trabalho de Gakiya, porém, vai muito além do combate cotidiano ao PCC. Ele ajudou a consolidar técnicas de investigação que hoje são referência em casos de crime organizado no estado; contribuiu para articular operações conjuntas entre órgãos de segurança; e tornou-se uma voz influente nos debates sobre políticas públicas de proteção institucional. Há anos repete que a fragilidade do Estado nas franjas onde o crime se territorializa é um dos problemas estruturais da segurança pública brasileira.

Sua atuação articula dois eixos: o rigor jurídico e a compreensão social do fenômeno. Para ele, não basta desmontar células criminosas; é preciso entender como elas se reproduzem e o que o Estado não faz — ou faz mal — nos territórios que acaba abandonando. Esse olhar mais amplo ajudou a moldar sua reputação entre pesquisadores, policiais e membros do Judiciário.

Com a experiência acumulada em mais de duas décadas no enfrentamento direto às facções, Gakiya decanta no seu trabalho uma espécie de cartografia do crime contemporâneo: mutante, empresarial, articulado com fluxos econômicos e políticos.

O livro que rompe o silêncio

Esse percurso, antes contado somente em relatórios, autos e entrevistas, ganha agora um novo registro. Em “Segurança Pública: Brasil livre das máfias”, escrito ao lado de Walfrido Warde e lançado pela Editora Contracorrente, Gakiya amplia o debate e oferece um diagnóstico que ultrapassa a crônica policial. O livro, já em destaque nas vendas da editora, analisa o avanço das organizações de tipo mafioso no país e propõe caminhos concretos para reconstruir a capacidade do Estado de enfrentá-las. Entre análises, relatos e projeções, a obra reafirma algo que sua biografia torna evidente: compreender as máfias contemporâneas é, antes de tudo, compreender o Brasil.

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